quarta-feira, 21 de julho de 2010

De filho para pai - O tricolor do meu coração!


"Viver é perigoso", já diria Riobaldo, em Grande Sertão Veredas. E passar por essa sem um apresentador das coisas, realmente seria mais difícil. O gosto pela pelota é genético-cultural. Meu pai, Seu Lúcio, desde a tenra idade me levava aos estádios para acompanhar as sagas do Tupi. Em casa, víamos o tricolor das laranjeiras em suas lembranças mais pródigas, em um passado que ficou nos anos 1980. Apesar da predileção pelo clube das três cores em meus nove meses de vida - há uma foto em algum lugar que diz sobre isso, o Édipo falou mais alto e fui para o lado de mamãe. Sua família, mais próxima, composta por 95% de genes RubroNegros, me deixou a vontade para não torcer para qualquer outro rival menor. E foi a partir dessa escolha, a partir da realidade anterior que já me clamava por torcer por Zico que, provavelmente, fui menos amigo e menos companheiro de meu pai. Nos últimos anos de sua vida (desapareceu em 2004), ainda tentei utilizar como uniforme a camisa das cores que traduzem tradição. Quando findou o fio de vida em seu corpo, acompanhei o sepultamento com a jaqueta tricolor sobre o meu peito. Era sim, a afirmação de que estava ali com ele. Naquele momento doloroso e reflexivo, depois de anos de confronto futebolístico e doméstico, retirei a impaciência e o espírito iconoclasta dos jovens e perfilei minha homenagem àquele que me deu passagem nesse mundo.
Nossa relação sempre foi um Fla x Flu, um embate que começara antes do próprio tempo, uma relação quase darwiniana de seleção natural e luta pelo patriarcado. Sempre ouvi sobre a relação filial entre nossos clubes do coração e me confortava o fato dela se repetir em minha vida pessoal. Flu é o pai,  conservador, autoritário, carinhoso, com glórias passadas; o Fla, o filho rebelde, impetuoso e o vencedor do futuro.
Seu Lúcio me deu a "passagem", como o Flu para o Fla
 Até hoje é difícil deixar de ter uma rivalidade, mesmo não querendo, logo já estou torcendo para que o Flu seja infeliz. É bem provável que isso seja um problema que reflita nossa relação, até por que, a maioria das pessoas queridas em minha vida torce ou torceu para o flusão. Quem sabe, hoje, onde também comemoro o nascimento do Flu, a gente possa se reunir, trocar uma ideia e apagar qualquer mágoa passada? Quem sabe hoje, Édipo e o rei possam trocar abraços depois de séculos de intolerãncia e rancor? Quem sabe hoje, possamos finalmente dar as mãos, entendendo que não seria possível o Fla se não fosse o Flu e que além disso, não seria possível o futebol se não fosse o Fla x Flu. Somos dois que era um que forma o maior espetáculo de todos. Onde um começa, o outro termina. 
Parabéns tricolor - obrigado pelos 108 anos e pela passagem para a vida de mistérios e delícias!

2 comentários:

Felipe Hutter disse...

Lindo!!!

Mas trate de virar homem e torça pelo time de seu pai.

Abandone o lado Negro da Força.

Rodrigo Tardin disse...

Texto sensacional! Rivalidade sim, inimizade não. Fla e Flu são parentes, parceiros, e deveríamos agir como tal também nas arquibancadas.

Sem dúvida, sua postura desmistifica um pouco a imagem que eu tenho da torcida do flamengo, baseada em rubro-negros que conheço. E faço das palavras do Felipe as minhas... ;-)

Abraço!