Responda rápido: Se você recebe um troco errado, você devolve o dinheiro? A imensa maioria dos leitores certamente respondeu que sim, que não se apropriaria desse valor que não lhe é devido. Nem questionarei então se você distrairia propositalmente uma pessoa para que ela errasse no troco. Isso provavelmente é tido como sinal de um caráter deplorável para quase a totalidade das pessoas. No entanto, no futebol, parece que vivemos num universo paralelo onde as regras da moralidade são subvertidas. Pergunto: O que leva um jogador a simular uma falta em um lance que não foi nada? Porque aceitamos sem reclamação as tentativas de manipular o resultado do jogo com artifícios que passam longe dos regulamentos do esporte?
No Brasil, a malandragem se tornou traço da identidade nacional. O jeitinho brasileiro nada mais é do que uma cultura que valoriza os trapaceiros. Nosso imaginário popular glorificou – através da música, do cinema e da literatura – a figura daquele que se dá bem sem esforço, que se aproveita dos frutos do trabalho alheio. Na fábula da formiga e da cigarra, somos defensores da última. E porquê seria diferente no esporte?
Nove entre dez comentaristas esportivos enaltecem o atacante que sabe cavar um pênalti. Elogiam sua habilidade de enganar o juiz, de se fazer de vítima num lance onde ele é o infrator. Não importa que um lance desses prive uma equipe esforçada de colher os louros de sua dedicação. Louvamos Macunaímas, heróis sem nenhum caráter, que mesmo atuando diante de dezenas de câmeras, que levam seus lances para milhões de olhos, negam o óbvio e dizem que aquilo que vimos não aconteceu, como deputados que colocam dinheiro da propina nas meias e, diante dos vídeos, alegam que não é bem aquilo, que estão sendo mal interpretados. Afinal, em uma sociedade onde a paixão nacional é o futebol-malandro, porquê seria diferente?
A máxima olímpica que diz Altius, Citius, Fortius (o mais alto, o mais rápido, o mais forte) é ignorada, e o esporte deixa de ser uma competição que enobrece para se tornar um agente da corrupção moral. Ao invés de ser um laboratório onde aprendemos a lidar com as derrotas por estas não terem consequências diretas no mundo real, onde a sobrevivência não está ameaçada a cada fracasso, o futebol passou a trazer a lição de que vale tudo para se dar bem.
Dizem que foi Oscar Wilde que cunhou a frase: “O rugby é um jogo para bárbaros jogado por cavalheiros. Futebol é um jogo para cavalheiros jogado por bárbaros ”. Sim, os bárbaros somos nós.
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