terça-feira, 12 de janeiro de 2010

As novas boas novas: Ele voltou!



Enxergar o mundo do alto foi algo pertencente ao divino por séculos. Mas no entre-lugar do sagrado e do profano, indivíduos, cidades, reinos, entidades se sentiram como se estivem em uma plataforma acima e de lá viam todos os outros que pelo parto pareciam iguais, mas que se distanciavam no caminhar da vida, nas escolhas e possibilidades abertas pela própria individualidade, sangue e destino. Por um outro lado, existiram homens e mulheres,  populações e acontecimentos que se transformaram em fatos sociais lembrados até os dias atuais, mas que não pareciam deter um poder tão óbvio ou que seus esforços não foram necessariamente universais e conscientes. Algo como um Carlitos histórico. Tivemos, inclusive, os que pensavam estar tão acima que se achavam um outro gênero além dos demais. Ou o inverso (nem tanto) também, vários indivíduos e suas sociedades condenaram povos isolados, como se só os subjugados fossem de uma espécie outra. Quer exemplo mais simples e brasileiríssimo que a escravidão, seja do negro ou do índio?
Na modernidade, o futebol é aquilo que nos permite olhar do alto sem ser necessariamente uma questão de sangue - meu pai era Fluminense, meu irmão é Vasco, minha filha foi Botafogo alguns meses; ou de berço - o Flamengo tem o maior número de torcedores do Brasil, isso todo mundo sabia, mas ninguém desconfiava que ele também tem o maior percentual dos extremos econômicos e educacionais. Dentre os clubes de futebol no Brasil, os mais pobres e os mais ricos brasileiros torcem para o da Gávea. Saquem a pesquisa! Não é só o fim de um mito de que flamenguista é pobre, ladrão, marginal. Somos tudo isso e todo o resto, além é claro, da polissemia. A marginalidade flamenguista pode ser beatnik também, por que não? O pobre ser sábio e o ladrão, justo também não é problema entre nós. Tem a ver mesmo com a individualidade, com o coração/mente de cada um. Sucessivamente, cada um faz o que pode com esse sentimento. Somos, claro, os mais chatos, porém os mais legais. E isso que importa, tem para todo gosto e variado, é orgulhoso e humilde, o alfa e o ômega, o ser e o não ser. Tem Flamanguaça, Flagay, Flaconha e até uma que não veste o uniforme rubronegro, se bobear até poderia cuspir num, mas não consegue viver sem.




Um destino místico-religioso nos acompanha

E é no batalhão de outros, daqueles que ocupam o inferno sartreano que venho propor o oposto do iniciado por aqui. Ao invés do divino olhar só pelo alto, quem sabe ele não seja visto, justamente, por debaixo, pelas entrelinhas, nos processos simbólicos construídos pelo aparente acaso futebolístico, pelas pequenas histórias contadas por cada um em seus íntimos, nas mesas de bar, da casa, no trânsito, no encontro entre desconhecidos que se reconhecem pelo vermelho e preto. Pensem na história sagrada construída com o Flamengo em todos estes intensos 30 anos. Quando nasci, em poucos dias o Fla fora campeão carioca, da Libertadores e seria do Mundial em Tóquio (13/12/1981). É bem provável que meus pais tenham achado que eu estava chorando assustado no berço, mas estava, na verdade, louvando o messias de quintino. Antes de conhecer os prazeres da puberdade, tive a oportunidade de acompanhar a glória de 1987, 1992, uma prévia do que estaria para ocorrer em 2009, mas também uma comprovação da força transcendente que o ocupa o manto sagrado. É claro que ainda tivemos a Mercosul, os tricampeonatos, mas isso só fez inflar o peito do Flamenguista e arranhar o brio da arcoirizada. Entretanto, ser campeão brasileiro novamente é despontar para o mundo, é revelar um potencial muito além das fronteiras continentais. E ser campeão contrariando todas as regras sistematizas, certeiras e comentadas por PhDs nas TVs, rádios,jornais, ruas etc é como se o título fosse "só" o Elias em sua carroagem de fogo anunciando a volta do messias. Esperamos de boa fé e coração que as boas novas se renovem e o Flamessias possa doutrinar todo o nosso povo com muita raça, amor, paixão e, sobretudo, liberdade!
Os variados cientistas crêem na razão a maior parte do dia, acham impossível não prever o mundo a partir da parca inteligência que possuem. Os das ciências sociais odeiam o jogo pois crêem na dominação da massa, na alienação midiática-econômica; já os cientistas matemáticos que não curtem futebol, interpretam a coisa como algo inútil e sem sentido, inclusive pela desrazão dos números. Nem sempre 11 são melhores que 10; nem quem faz mais de quem menos marcou é campeão; o tempo não acaba quando terminam os 45; os árbitros não são 100% corretos. E apesar do mundo ser dominado pelo saber científico, o espírito do futebol é um dos poucos que dele é usufruido, mas mesmo assim, contraria o poder sistemico estabelecido, pois não há, aparentemente, nada mais imprevisível do que ele. Catástrofes, atentados, mortes, tudo isso pode ser evitado com argumentos de biopoder - segurança, higiene, excesso de informações inúteis - mas a verdade incondicional é a de que o Flamengo é o maior rolo compressor do futebol brasileiro nos últimos trinta anos . Seu absolutismo é inegável. Todos sabem que as energias devem ser depositadas na "primeira fase". Afinal, se deixou chegar, fudeu!
 Nunca irei esquecer que os humilhados serão exaltados. Por vários anos habitei o vale sinistro - principalmente nos Brasileiros, e ali me vi morto ao lado de mortos - preso diante à TV em goleadas (estocadas) de times menos expressivos, mas antes que fosse possível me entregar, uma luz que  sempre me acompanhava, chamou minha atenção novamente. Não tenho muito do que reclamar depois que a trombeta voltou a soar na Gávea: minha filha nasceu no mês em que ganhamos a Copa do Brasil, julho de 2006. Nos anos seguintes, três títulos cariocas, duas eliminações decepcionantes da Libertadores - e reveladoras do nosso orgulho/excesso, um terceiro lugar inacreditável e cristão, um 5º despresível, mas honroso e claro, um título digno de pententeucos e outros livros sagrados de povos e religiões contemporâneas! O Flamengo é a imprevisibilidade, ele é o próprio avatar do futebol, sem ele, não haveria!


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